Professor, o senhor poderia resumir quais foram as metas do Congresso de Leitura no Brasil deste ano?
O COLE chega à 18ª edição, a maioridade, mas, na verdade, ele descende de outro evento também de promoção e discussão da leitura que – esse sim – completa 37 anos. Então é uma reunião bem antiga e tradicional já. Ao longo dessas quase quatro décadas, o congresso foi se modificando, se transformando e se adaptando às necessidades de reflexão de cada tempo, de cada momento.
ENTÃO, BEM LÁ NO INÍCIO, O COLE ERA UM FÓRUM DE PESSOAS QUE LUTAVAM PELO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA LEITURA NO BRASIL E REUNIA TANTO GENTE DA UNIVERSIDADE, QUANTO DE EDITORAS E ASSOCIAÇÕES CIVIS. ESSA CARACTERÍSTICA, DE JUNTAR PESSOAS QUE LUTAM PELA LEITURA, PELO DIREITO E PELO ACESSO À LEITURA, SE MANTEVE AO LONGO DESSES ANOS TODOS.
A Associação de Leitura do Brasil, que atualmente eu presido e a quem cabe a coordenação geral do Congresso, foi também fruto de um COLE, o de 1981, então estamos comemorando em 2012 os 30 anos de constituição da ALB, que tem como objetivos principais o movimento de democratização, produção, publicação e formação de educadores na articulação com o campo da leitura. O congresso foi ficando gigante, vem gente do Brasil todo, 100% dos estados do país estão aqui representados, e uma característica especial é que temos muitos professores de educação básica.
E dessa edição que acabou de acontecer, quais foram as discussões mais significativas, o que se pode pinçar de mais importante? E, mais, quais caminhos se revelaram?
Nessa edição, nós propusemos a possibilidade de pensar a leitura entremeada com outras linguagens. A leitura, em geral, está muito ligada ao livro e à palavra escrita, ao processo de alfabetização. O encontro com o livro é fundamental e há várias edições do evento voltadas para essa aproximação. Mas na 18ª edição, priorizamos o contato com outras linguagens: a imagética – presente nas ilustrações, nas fotografias, nas artes plásticas; a linguagem corporal, como mímica, teatro, dança; as audiovisuais, com o cinema; a música, etc. e ainda trazer tudo aquilo que a gente ainda não consegue expressar em palavras, ou imagens, ou sons, como os silêncios, os vazios, os espaços em branco e por aí vai. Então era trazer para o COLE o sentido da leitura não só da palavra, mas leitura do mundo, que é povoado de múltiplas linguagens e até de ausências, vazios, silêncios, que a gente talvez não escute.
Vários professores, de todos os níveis, apresentaram suas pesquisas sob esse grande guarda-chuva.
Sim, pesquisadores do Brasil todo trouxeram os trabalhos e dividiram com o público. Mas também aconteceram palestras com artistas, filósofos, músicos, educadores, gente que veio propor uma reflexão a respeito desse entrelaçamento de linguagens. Essa é a organização acadêmica do evento e apontou para a discussão da fronteira, do limite que o mundo anda vivendo em relação à fruição dessas linguagens.
Agora, ler essas outras linguagens não precisa significar abandonar, ou condenar a leitura das palavras, não é? As várias formas de expressão podem se contrapor, se completar, mas não se anulam, não é?
Não, de jeito nenhum. A ideia era justamente essa, avançar e aprofundar naquilo que chamamos leitura. O mundo é todo atravessado por essas linguagens e o que discutimos foi essa sobreposição, esse atravessamento de uma pela outra, já que são simultâneas.
O QUE ESSAS LINGUAGENS SIGNIFICAM NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO? NESSE MUNDO TODO PONTUADO PELA IMAGEM, COM SUPEREXPOSIÇÃO ÀS IMAGENS, COMO O MOMENTO SOLITÁRIO DA LEITURA – QUE É INDIVIDUAL E INTRANSFERÍVEL – FICA? É UMA SOLIDÃO BOMBARDEADA POR SONS E IMAGENS.
E é importante trazer temas assim para o evento. Nesse tipo de Congresso, não oferecemos respostas prontas, não preenchemos os vazios, ao contrário. A proposta é esvaziar espaços, para que novas indagações e reflexões possam aparecer.
Imagino que a discussão a respeito das novas mídias e como elas tocam a leitura da palavra e do mundo tenha bastante relação com tudo isso. Vocês também discutiram novas tecnologias, redes sociais?
Na organização dos painéis, esse assunto apareceu sim. Mas este ano, a gente antecedeu o COLE com o 6º Seminário Professor e a Leitura do Jornal, que tratou exatamente dessas novas mídias. Então preferimos deixar essa discussão mais voltada às novas tecnologias para o Seminário e não para o COLE, que focou na relação entre leitura estética e política, para que a gente possa pensar contemporaneamente os gritos e as escutas sensíveis.
De um modo geral, como os professores recebem essa preocupação com outras linguagens? Eles acham que arte é para os artistas e para os professores de artes e música, ou eles aceitam bem?
Do retorno que tivemos durante o evento, o que posso dizer é que foi uma escuta bastante aberta, os professores pareciam bastante receptivos. Muitas vezes traziam muitas interrogações, porque como não são apresentações afirmativas, não é um discurso que vem para preencher alguma coisa que está vazia, é um discurso que tenta deixar espaços vazios para pensar, aí certamente sensibiliza muito as pessoas.
O QUE POSSO DIZER É QUE FOI UM CONGRESSO COM MUITA EMOÇÃO, NÃO NO SENTIDO PIEGAS DA PALAVRA, MAS DA FRUIÇÃO ESTÉTICA, QUE SENSIBILIZA E TRANSFORMA. EMOÇÃO NO SENTIDO DE PEGAR AS PESSOAS EM DETERMINADOS PONTOS QUE SÃO DIFÍCEIS DE SEREM TOCADOS.
Por exemplo, falar de comunidades da África, da Ásia, ou do Brasil mesmo, que não têm seu próprio território, então têm que viver numa espécie de movimento nômade, que é um nômade do desaparecimento. Depois, uma apresentação de artistas visuais, que trabalham com arte, vídeo ou fotografia e que fomentam a gente a pensar como a gente tem possibilidade de resistir num mundo que é tão avassalador, com a globalização? E os relatos das mesas e das conferências que participei eram de professores muito tocados, abrindo espaço para um novo pensar, e de várias disciplinas. Não só das artes.
E é possível pensar caminhos para o professor usar tudo isso na prática, na sala de aula, como postura mesmo, lá na frente dos alunos?
Não organizamos o Congresso nessa tônica. Teve 50% de uma organização acadêmica, gestada por mais de um ano por um grupo que já vinha participando dos outros congressos e propôs Seminários Temáticos, infância, matemática, alfabetização, mídias, etc… tudo isso conversando com o tema geral do evento. E, além disso, houve os minicursos. Aí sim, nesses cursos, oficinas e workshops essa proposta de trazer para a prática o que havia sido discutido nos dias anteriores apareceu. E, talvez, essa experiência o professor leve, de fato, para a sala de aula. Foram 31 minicursos concomitantes e mais de 700 pessoas se inscreveram para participar, já no último dia do evento. As oficinas pensavam sobre como usar o som, a imagem no livro didático, o audiovisual, e tal. Então creio que esse foi o maior espaço de formação para a ação. Além disso, a troca de experiências na apresentação dos quase 700 trabalhos que os professores trouxeram para expor. Os participantes tiveram, portanto, bastante tempo para conversar, para se inspirar e produzir materiais.
Agora, de qualquer maneira, as entidades que compõem a organização do evento também estão atentas e preocupadas com a questão da leitura clássica… Do livro, da palavra…
Ah sim! A gente ter dado uma marca forte às outras linguagens não quer dizer qur a gente tenha deixado de lado a leitura. Ela estava lá e compunha uma parte importante das discussões.
E o que emergiu dessas discussões, professor? Porque, pelo que estamos acompanhando, os brasileiros leem pouco, leem mal, não compreendem o que está escrito. Uma pesquisa publicada recentemente pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa mostra que 38% dos estudantes universitários não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional. Como o CLE trabalhou tudo isso?
Nós levamos para o congresso a questão dessas pesquisas novas sobre leitura, especialmente o Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, também a proposta do governo federal dos agentes de leitura nas escolas integrais, para pensar em duas coisas, no mínimo. Primeiro, em insistir num outro tipo de trabalho e organização curricular, principalmente nas escolas públicas, que é um dos lugares em que se encontra aquele público que pouco lê e, se lê, é porque a escola pede, caso contrário não leria livro. A pesquisa também não trabalha com outro tipo de leitura, como de revistas, gibis, jornais, textos de internet, etc… essas pesquisas fazem seleção do que é considerado leitura e esse é outro ponto que a gente precisa repensar: o que é leitura hoje?
AS PESQUISAS AINDA OLHAM SÓ PARA O LIVRO, MAS HÁ OUTRAS FORMAS CHEGANDO, SE INSTALANDO, COMO SERÁ QUE ISSO VAI INFLUENCIAR A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DO LEITOR? ENTÃO OUTRO TIPO DE PESQUISA, QUE CAPTE ESSA LEITURA MAIS EFÊMERA DE E-MAILS, BLOGS, SMSS, REDES SOCIAIS E TAL, PRECISA SER FEITA, PARA ENTENDER A RELAÇÃO DISSO TUDO COM QUESTÕES DE APRENDIZAGEM DA LEITURA E NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO LEITOR NÃO PELO LIVRO.
E a outra coisa que pensamos é que a escola é fundamental, mas não é suficiente. Precisamos fomentar espaços outros, preferencialmente públicos, para que a gente tenha uma política de leitura mais democrática no Brasil. E é importante lembrar que essa discussão se dá entre um público – o dos professores – que, em geral, não participa das discussões do que deve ser feito, mas é tratado como público consumidor, a quem se diz o que se deve fazer, comprar, ler, etc.
A pergunta que fica pairando, professor, é o que vai acontecer com o sujeito leitor que passa da fase pré-letrada para a leitura no computador, no tablete, será que ele perde alguma coisa, ou será que ganha outras competências?
Não, perder não. Nas mesas que participei esse ano, essa era uma discussão que sempre aparecia, porque é mesmo relevante. O que discutimos é que perder não perde nada, mas a escola vai ter de se adaptar, com certa agilidade, para aproveitar os ganhos que essa possibilidade traz, aproveitar o que é produtivo, já que a leitura está acontecendo, mesmo que em outros moldes, e até em moldes que a escola talvez não julgue que seja o melhor, mas ela acontece. Então como a gente poderia potencializar essa leitura nas novas tecnologias, que para nós ainda é estranho, mas que para o jovem tem sido muito produtivo. O contato e a troca de textos, de mensagens, e entrar num universo de todo dia ler alguma coisa, que faz sentido, que dá razão para a vida, etc. várias mesas passaram por essa discussão.
O fechamento disso tudo é positivo? Podemos ser otimistas?
Ficamos muito baqueados com os resultados das pesquisas mais recentes, que mostram pouca leitura, pouco acesso a livros e pouca compreensão do que se lê. Mas vejo como uma responsabilidade para nós professores e para a ALB continuar insistindo e potencializar os movimentos de constituição das políticas públicas de leitura.
NÃO BASTA INSISTIR PARA AS PESSOAS COMPRAREM LIVROS, PORQUE UMA COISA É CONHECER O LIVRO – AS PESSOAS CITAM A BÍBLIA NAS PESQUISAS –, MAS SERÁ QUE LERAM MESMO? OS OUTROS LIVROS MAIS CONHECIDOS E MAIS CITADOS SERÁ QUE FORAM LIDOS MESMO?
Os dados ainda são muito imprecisos. A ALB se comprometeu publicamente a pegar os dados do Retratos da Leitura no Brasil e de outras pesquisas similares e fazer um seminário de aprofundamento dos dados e depois formação de professores e professoras. Não para mandá-los fazer nada, os professores sabem exatamente o que devem fazer, mas para estabelecer um diálogo e levantar problematizações e reflexões no caminho de uma formação. Eu penso que é uma linha importantíssima que a ALB tem de seguir.