SINOPSE
O pensamento de Paulo Freire tem
subsidiado investigações nas mais diversas áreas do conhecimento: no Direito,
na Saúde, nas Ciências Biológicas, em Educação Ambiental. Na Linguística,
entretanto, são ainda rarefeitos os estudos acerca do pensamento freireano,
mesmo sobre sua proposta para a aquisição inicial da leitura, a alfabetização.
Em
suas Considerações em torno do ato de estudar, na página 9, de uma
versão eletrônica da quinta edição do livro Ação Cultural para a liberdade e
outros escritos, Freire afirmou que “estudar seriamente um texto é estudar
o estudo de quem, estudando, o escreveu. É perceber o condicionamento
histórico-sociológico do conhecimento. É buscar as relações entre o conteúdo em
estudo e outras dimensões afins do conhecimento” (FREIRE,2007, p. 9) .
A essa assertiva subjaz a
concepção de que não existe pensamento inédito.
Essa direção indicada por Freire remete à tese bakhtiniana de que nenhum
homem alçará novamente à condição de Adão, ou seja, a de dizer algo pela
primeira vez porque, no dizer de Bakhtin (2010, p. 100) “cada palavra evoca um
contexto ou contextos nos quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as
palavras e formas são povoadas de intenções”.
Assim como Bakhtin, também Paulo Freire destaca a palavra, sua ligação
com o mundo, ao dizer que a “compreensão do mundo se alonga na inteligência da
palavra”. Tal convergência nos chamou a atenção, conduzindo ao esboço de
uma arquitetônica do fundamento linguístico-filosófico das proposições de Freire
para o que consideramos uma pedagogia da leitura. Nos escritos desses dois grandes pensadores,
encontramos elementos verbais que evidenciam a interface entre suas
proposições, mais especificamente, em conceitos encontrados nas discussões de
ambos, tais como linguagem, palavra, consciência, diálogo e dialogismo,
que designam fenômenos constituintes das relações humanas.
Então, levando em conta as contribuições cada vez maiores dos estudos do
Círculo de discussões ao qual foi dado o nome de Bakhtin para as pesquisas
linguísticas, posicionamo-nos, diríamos, na “trincheira” entre a Linguística e
a Educação, a Pedagogia, mais especificamente, as proposições de Paulo Freire
sobre a linguagem, o ensino da leitura.
Assim posicionada, debruçamo-nos sobre os textos desses dois pensadores,
com as seguintes proposições:
Dos escritos de Mikhail Bakhtin:
•
apresentamos discussões de alguns estudiosos
acerca dos conceitos-chave que constituem o pensamento de Bakhtin em sua busca
pela realização do projeto de esboçar uma filosofia da linguagem, constituinte
dos sujeitos e por eles constituída em
seu devir;
Dos escritos de Paulo
Freire:
•
elencamos os conceitos basilares da proposta
pedagógica para o ensino e a aprendizagem da leitura na alfabetização,
iniciando com seu texto Educação e Atualidade Brasileira, tese com a
qual pleiteou uma vaga de professor na Escola de Belas Artes, em 1959;
•
apontamos em outros escritos seus o percurso da
construção de tais conceitos, bem como os pressupostos linguístico-filosóficos
evidenciados como norteadores dessa construção.
Das proposições de Bakhtin e de
Paulo Freire:
• esboçamos
uma arquitetônica linguístico-filosófica do discurso de Freire acerca de uma
pedagogia da leitura;
•
analisamos os conceitos basilares de Freire,
comparando-os aos delineados por
Bakhtin, tais como linguagem, palavra, consciência, diálogo e dialogismo,
investigando-lhes as vertentes, as aparentes coincidências;
•
elaboramos uma cronologia comparativa Bakhtin\Freire,
desvelando possíveis aproximações, apesar dos distanciamentos espaço-temporais
entre esses dois pensadores.
O
ponto de chegada é a promoção do diálogo, no sentido bakhtiniano, que descarta
a necessária concordância, entre a Pedagogia e os estudos linguísticos, no
intuito de contribuir para que a interdisciplinaridade fortaleça o trabalho com
formação de professores, principalmente os que lidam mais diretamente com o
ensino da leitura em sua aprendizagem inicial.
No percurso, trazemos primeiro os
ditos de\sobre Bakhtin, pensador russo contemporâneo à Revolução Vermelha,
acontecimento durante o qual se consolidou um regime opressor. O cenário de sua
produção foram as Rússias compreendidas entre as décadas de 1920 e 1970, para
usar um termo empregado por Brait (2009, p. 11), nos Círculos formados durante
a efervescência cultural que grassou nos anos seguintes à Revolução Russa, nos
quais se discutiam ideias sobre a linguagem, em busca da construção de uma
filosofia para esse artifício do qual só os seres humanos são capazes de lançar
mão para dizer e, por meio deste, fazer.
De acordo com Souza (2002), estudar
os fundamentos da obra de Bakhtin e de seu Círculo demanda o cumprimento de
algumas exigências, quais sejam:
1.a
compreensão dos tempos e espaços de sua produção;
2.um
confronto de traduções em que essas produções escritas circulam, bem como de
suas leituras no ocidente;
3.a
busca de uma, entre múltiplas entradas na obra, que nos permita avançar nos estudos
da linguagem (SOUZA, op. cit., p. 12-17)
Apoiando-nos nos dois primeiros
imperativos elencados por Souza (2002), já cumpridos por reconhecidos
estudiosos de Bakhtin, no Brasil e em outros países, escolhemos a “entrada” apontada por Brait
(2005, 2006) em dois estudos: Bakhtin: conceitos-chave (2005) e Bakhtin: outros conceitos-chave(2006),
que reúne vinte e oito conceitos presentes na produção de Bakhtin, dos
quais elencamos cinco. Os conceitos são linguagem, palavra, consciência e
diálogo, cujo princípio fundante é o dialogismo; não tomados de forma
estanque, mas como constituintes dos atos humanos intencionados ao mundo e por
ele constituídos.
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